Final de ano pode ser sinônimo de emprego novo. Não só pelas datas comemorativas, mas também porque se inicia um novo ciclo nas grandes empresas - muitos processos seletivos para vagas de trainee e estágio são abertos, e contratações para o ano seguinte já começam a ser negociadas. Mas, para muita gente, é tempo de ficar apreensivo com as seleções.
Nem o mais desenvolto dos candidatos consegue fugir à regra. Quem nunca passou por um processo seletivo do qual saiu absolutamente envergonhado porque teve que fazer algo “ridículo”? Em algumas dinâmicas de grupo, os candidatos se vêem obrigados a cantar, em outras são convidados a encenar alguma situação, e ainda há processos em que as pessoas são submetidas a intensos interrogatórios. Mas, no fim das contas, o que se deve ter sempre em mente é: encare tudo com normalidade e não é preciso ficar nervoso.
Jacqueline Resch, sócia-diretora da Resch Recursos Humanos, empresa que recruta e seleciona executivos, afirma que é normal algumas companhias colocarem os candidatos sob pressão. Elas acreditam que assim podem melhor avaliar aquela pessoa. Mas, segundo ela, colocar sob pressão e constranger são coisas totalmente diferentes - e algumas das técnicas que são usadas hoje tornam-se extremamente desnecessárias na hora de avaliar um candidato.
“Eu digo o seguinte: você primeiro tem que saber o que está buscando”, diz Jacqueline. “Muitas pessoas contestam exercícios e dinâmicas de grupo que colocam os candidatos em situações constrangedoras. A verdade é que muitos desses processos não são necessários para avaliar pessoas. As dinâmicas não são e nem devem ser exercícios gratuitos.”
Não facilita também para o candidato o senso comum de que seleções são mesmo constrangedoras e que a pessoa tem que passar por aquilo para ser escolhida. ”Quem está avaliando, porém, tem que saber porque está propondo as atividades para o candidato. As técnicas não podem ser usadas simplesmente porque são bacanas, modernas”, diz. O grande diferencial de uma seleção bem feita, para ela, é quando o profissional de Recursos Humanos não perde de vista que seu objetivo, ali, é simplesmente avaliar competências.
Mas e quando a seleção, ao invés de constrangedora, deixa o candidato visivelmente desconfortável? Apesar de a situação ser chata, em alguns casos ela é necessária - principalmente quando se fala em seleções para cargos de chefia. O coordenador comercial Luiz Fabiano Labadeça passou recentemente por um processo desses: depois de ser avaliado por um profissional de Recursos Humanos, foi submetido a um teste de ética que, segundo ele, foi bastante invasivo - apesar de justificável.
“Fui levado para uma salinha e uma mulher começou a me fazer uma série de perguntas. Ela me olhava no fundo do olho. Perguntava, eu respondia e aí ela ficava em silêncio e começava a contestar as respostas, como num interrogatório”, diz Labadeça. “‘Você roubaria?’, me perguntava, e eu respondia que não. ‘Por que não?’, ela rebatia, ‘E se seu pai estivesse morrendo e você soubesse que podia pegar dinheiro da empresa. Você pegaria?’ Isso tudo vai minando a pessoa. Você sai de lá estarrecido, bravo.”
Quem aplicou o teste de ética foi a ICTS, uma empresa israelense de gestão de riscos em negócios que atua junto com o RH de grandes companhias na hora de fazer as seleções. O empresário Marcelo Forma, sócio-diretor do braço brasileiro, porém, afirma que tudo é feito de maneira responsável.
“Mas tem que ficar claro que aquilo não é simplesmente uma entrevista de emprego. Nossa seleção é feita pela análise de um especialista em linguagem corporal. Ele consegue detectar se a pessoa está escondendo alguma informação. Simplesmente abordamos respostas e pontos de vista que a pessoa colocou ao longo do processo todo; aquilo que causou dúvida é melhor explorado durante a entrevista individual”, diz Forma.
Essas entrevistas, segundo Forma, são feitas por pessoas treinadas durante mais de um ano - profissionais egressos de forças armadas, psicólogos, advogados, etc. “Mas de maneira alguma é um processo agressivo. Não é um interrogatório”, diz. Além disso, os entrevistadores são treinados por agentes do serviço secreto e da polícia federal americanos (CIA e FBI) para poderem analisar linguagem corporal e até mesmo a escrita do candidato. “Quando o ser humano fala a verdade, ele acessa a memória em seu cérebro. Na mentira ele acessa a imaginação, e isso tudo eles conseguem identificar por causa desses treinamentos”, afirma Forma.
Mas se tudo isso já fez o estômago embrulhar só de pensar na possibilidade de ser entrevistado por esse pessoal, Labadeça - que no fim das contas acabou aprovado - afirma que não há o que temer. “Não é um bicho de sete cabeças. É um processo invasivo, complicado, mas não é algo que mudou minha vida. Serviu para ficar esperto e atento ao que a empresa espera de mim”, diz. “Sim, em alguns momentos achei desnecessário quando estava lá, mas agora vejo que ele serve para medir a sua ética e para ver como, em uma situação extrema, você agiria.”
Jacqueline Resch também acalma os ânimos dos mais nervosos: “esse tipo de análise ética geralmente só é aplicada em candidatos a vagas para cargos altos.” O profissional de RH estará mais preocupado em avaliar a compatibilidade entre empresa e candidato. “Os processos expõem os candidatos a um determinado contexto e ambiente para avaliar se eles têm aderência à cultura de determinada empresa”, diz.
Em todo o caso, para Jacqueline, se a pessoa fica tão desconfortável assim com a seleção, às vezes pode ser porque ela própria não faz o perfil daquela empresa. “Não existem técnicas erradas, mas às vezes a pessoa se utiliza mal das técnicas. Se o profissional de RH escolhe um exercício que constrange o candidato, ele fez um mal uso”, afirma.
Além disso, o examinador sempre sabe com que pessoas está lidando. “O profissional de RH faz um planejamento antes da seleção, e sabe porque cada atividade está ali. Todo mundo que faz seleção sabe que mesmo a pessoa mais segura vai nervosa para o processo. Afinal, durante uma entrevista a pessoa está sempre em xeque.”
O importante, portanto, é não ficar nervoso e tentar, ao máximo, ser você mesmo - já que esses profissionais são treinados para perceber até quando a pessoa está fingindo ser algo que não é. E lembrar que, da parte de Recursos Humanos, o candidato é sempre avaliado por seus conhecimentos, habilidades e atitudes. “Não há porque ter medo do profissional de RH. É natural ir com ansiedade a uma entrevista por causa da expectativa da vaga, mas a pessoa tem que ir ali compartilhar experiências da sua vida profissional”, diz Jacqueline. Seguindo esses conselhos, na próxima entrevista de emprego que for, é só contar até dez e lembrar que bichos de sete cabeças realmente não existem.
FONTE: http://revistaepoca.globo.com/